Tom Hardy: “Às vezes, tudo que existe é o desejo de vingança”

Entrevista do site veja.abril.com.br | Por: Mariane Morisawa.

Há algo da imprevisibilidade de um animal selvagem em Tom Hardy: ele dá a impressão de poder atacar a qualquer momento. O inglês de 38 anos tem fama de difícil, de ficar no personagem mesmo quando o “corta” foi anunciado e até de entrar em conflito com colegas de elenco – confirmou ter levado um soco do nada do encrenqueiro Shia LaBeouf em Os Infratores (2012), e Charlize Theron contou ter brigado com ele algumas vezes no set de Mad Max: Estrada da Fúria. Ele também já deu respostas atravessadas a jornalistas. Mas, no hotel, onde Tom Hardy recebe o site de VEJA para uma entrevista exclusiva, está um ator doce, que dá beijinhos (algo bem raro nesse tipo de ocasião) e sorri enquanto fala sobre coisas do cotidiano, especialmente cachorros – paixão que chega a acompanhá-lo em tapetes vermelhos.

Apesar de ser Leonardo DiCaprio o nome mais comentado desta temporada de premiação, Hardy pode se gabar de ter papéis importantes nos dois filmes com o maior número de indicações no Oscar deste ano. O Regresso, de Alejandro González Iñárritu, aparece em doze categorias – uma para Hardy, sua primeira, como coadjuvante -, enquanto o reboot de Mad Max, de George Miller, concorre a dez.

Não à toa o rapaz está feliz. O ano passado foi ótimo para ele. E agora ele colhe os frutos. A indicação ao prêmio da Academia de Hollywood é fruto da boa atuação como o rude e rústico John Fitzgerald. O personagem é membro de uma caravana de caçadores de animais e comerciantes de peles, guiada por Hugh Glass (DiCaprio). Fitzgerald mostra-se arredio desde o início, questionando as decisões de Glass, conhecedor do gelado norte dos Estados Unidos em 1820. Glass é atacado por um urso e, ferido, não pode continuar com a expedição. Fitzgerald é então destacado para permanecer cuidando dele durante sua recuperação – ou morte. Mas não cumpre o prometido, o que, mais tarde, vai provocar o desejo de vingança de Glass.

O filme é uma verdadeira experiência cinematográfica promovida pelo diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (vencedor do Oscar em 2015 por Birdman). Em um esquema rústico, o cineasta resolveu filmar O Regresso com luz natural, em espaços abertos. No inverno em Calgary, no Canadá, isso significava menos de duas horas diárias. Como as tomadas eram longas, se houvesse algum erro, era preciso começar tudo de novo no dia seguinte. O frio de 25 graus negativos chegou a congelar as câmeras.

Quando era preciso muita neve para uma cena final, uma onda de calor varreu a região, descongelando tudo. A locação foi então transferida para a Argentina. Ao todo, foram nove meses de filmagem – e nem isso faz Hardy reclamar. “Não foi tão intenso para mim”, afirma. “Muitos mitos estão circulando.” Entre eles não estão conflitos com o diretor, que também tem fama de difícil. Na entrevista a seguir, Hardy chama Iñárritu de “fantástico”, mas confessa ter gostado de sua companhia apenas quando conseguia ter uma conversa individual.

Filho de uma pintora e um roteirista, Hardy tem esse jeito meio bruto, que assusta, quando quer. Frequentou escolas particulares na Inglaterra e se formou pelo Drama Centre London, onde também estudaram Colin Firth e Michael Fassbender, entre outros. Seus primeiros papéis foram em filmes grandes como Falcão Negro em Perigo (2001), de Ridley Scott, e Star Trek: Nêmesis (2002), de Stuart Baird, além da série da HBO Band of Brothers (2001), produzida por Steven Spielberg e Tom Hanks. Nessa época, estava mergulhado no vício em álcool, cocaína e crack. Em 2003, foi para uma clínica de reabilitação e afirma estar sóbrio até hoje.

Sua carreira entrou num período de baixa, até ressurgir com força em 2008, com RocknRolla, de Guy Ritchie, e principalmente Bronson, de Nicolas Winding Refn, sobre um criminoso tão perigoso que passou a maior parte de sua vida numa solitária. Foi também o ano do nascimento de seu filho Louis Thomas, com sua namorada Rachael Speed. O segundo herdeiro chegou em 2015, com sua esposa, a atriz Charlotte Riley.

Desde Bronson, passou a ser escalado em vários papéis de homens violentos, seja o vilão Bane de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), de Christopher Nolan, o produtor ilegal de bebidas Forrest em Os Infratores (2012), de John Hillcoat, o lutador que combate seu próprio irmão em Guerreiro (2012), de Gavin O’Connor, ou os gêmeos criminosos de Legend (2015), de Brian Helgeland. Mas sempre há uma vulnerabilidade por baixo da carapaça dura desses personagens.

Versátil, ele também fez dramas e até arriscou uma comédia romântica em Guerra é Guerra (2012), de McG, em que pareceu visivelmente deslocado ao disputar Reese Witherspoon com Chris Pine. Mas o filme que provavelmente define melhor o mistério Tom Hardy é A Entrega (2014), de Michael R. Roskam, em que vive um bartender quieto e aparentemente ingênuo, adorador de cachorros, que esconde um gênio explosivo.

Já a temática da sobrevivência, explorada tanto em Mad Max quanto em O Regresso, pode ser relacionada de forma mais poética à vida do Hardy: da fama de mal e da luta contra os vícios nasceu um interessante e bom ator, novo queridinho de Hollywood. Uma reviravolta e tanto. Confira abaixo a conversa com o inglês:

Em 2015, você lançou O Regresso e Mad Max, dois grandes filmes em todos os sentidos. Como se sente com estas produções? É um pouco triste, na verdade. Porque todo o trabalho que eu fiz está sendo lançado. Então estou sem nada para esperar. É bacana ter algumas coisas filmadas. Você guarda as memórias e fica imaginando como vão sair. Agora tudo estreou, e preciso começar a trabalhar de novo! (risos)

Mas você vai ter férias? Não, estou fazendo uma série de televisão com meu pai, que vendemos para o canal BBC. Começamos a filmar, mas a ideia que vendemos não é exatamente a que estamos rodando. É bacana desenvolver, melhorar.

O Regresso foi duro de rodar. E Mad Max: Estrada da Fúria, também. Está se especializando em filmagens difíceis? Sim. Agora estou esperando a filmagem de um ano! Fiz a de seis meses em Mad Max. Depois a de nove meses em O Regresso. Estou pronto para a de um ano. Pelo menos sei que nove meses eu aguento.

O Regresso foi mais difícil que Mad Max? Não, não. Mad Max foi mais complicado porque foi minha primeira vez fazendo algo nesse nível de pressão, num projeto tão grande, durante um período de tempo longo. Eu era um pedaço pequeno na orquestra que era o filme. O Regresso foi o mesmo, por uma duração maior. Mas, se eu não tivesse feito Mad Max, não teria sido capaz de fazer O Regresso. De qualquer maneira, não foi tão intenso para mim. Muitos mitos estão circulando. De certa forma é empolgante porque, sim, foi difícil, e sim, fomos ao lugar mais complicado de filmar. Mas não era tão extremo a ponto de ser impossível, ou o longa jamais teria ficado pronto.

O filme fala de sobrevivência. Quando faz algo assim, acaba pensando em como se comportaria naquelas circunstâncias? Sim. É normal pensar assim. Os homens e mulheres nascidos naquele período estavam acostumados àquelas circunstâncias. Eles conviviam de perto com a natureza, não era um choque tão grande, como seria para nós, se voltássemos no tempo. Temos muitos confortos hoje em dia. Mas não precisamos ir tão longe para encontrarmos pessoas vivendo em condições extremamente hostis, sem os confortos que temos no Ocidente.

Como é sua relação com a natureza? Não tenho medo da natureza. É preciso usar o bom senso na hora de uma aventura: com quem vou? O que estou tentando fazer? Tenho interesse e fascínio pela natureza. Sempre tento viajar com pessoas que conhecem a região ou são locais. É importante para mim ir a lugares fora dos guias de turismo, porque há tanta vida a ser experimentada por aí. Então não tenho medo do mundo selvagem. Claro que quero evitar estar numa situação ruim, seja na cidade ou na floresta. É preciso usar o bom senso. Ser cuidadoso. Há tanto a fazer e a ver que seria uma pena não viver e testemunhar tudo isso.

Você foi à Argentina para rodar cenas de O Regresso. Sim. Mas foi uma semana só. Foi lindo. A paisagem e as pessoas eram fantásticas. Amo viajar pelo mundo e conhecer o que posso. Ainda quero visitar o Brasil. Estou empolgado para ir em breve.

Muitos filmes falam de vingança, assim como O Regresso. Por que é um tema tão comum? É uma história simples, a vingança. O conceito é perigoso, espiritualmente. Não há nenhum crescimento pessoal. Você faz e não vem nada dali. É vazio. A pergunta é: qual a natureza da necessidade de vingança, essa coisa de olho por olho? É uma grande questão. Obviamente estou falando, do conforto da minha cadeira, que a vingança é desnecessária, que você precisa agir de maneira superior e perdoar, ter compaixão. Mas o ser humano é uma criatura complexa. Às vezes, tudo que existe é o desejo de vingança.

Sendo pai, você compreende o desejo de vingança do personagem de Leonardo DiCaprio? Sim, são duas coisas interessantes. Outro dia vi uma senhora que perdoou o assassino de seu filho, e isso é muito poderoso. Tenho certeza de que ela teve em algum momento um sentimento de vingança. Porque, se alguém machucar meu filho, eu vou ter vontade de me vingar. Mas, no fim das contas, isso não traria meu filho de volta, nem diminuiria minha dor. É uma decisão muito pessoal, claro. Definitivamente uma boa discussão. Só espero jamais estar nessa situação.

Você é espiritual? Acho que meu coração, minha cabeça e minha mente estão abertos, sem dúvida, para o desconhecido. Especialmente conforme envelheço. Eu diria sim, mas sem tanta convicção (risos).

Neste filme você precisa conviver bastante com cavalos e aparentemente não é muito fã deles. Não, eu gosto de cavalos. Mas tenho medo deles, porque são tão grandes. Eu levei um coice de um cavalo quando era mais novo, então sei como são fortes (risos). E um animal sabe quando você tem medo e não está no comando. Então não é que não goste, eles são lindos. Mas onde eu cresci, Londres, não se acham cavalos assim tão facilmente. Para eu realmente me sentir confortável com eles, precisaria de uma convivência, fazer aulas. Cresci com cachorros. Então tendo a me aproximar dos cães. Me disseram que cavalos e cachorros são muito similares.

Como superou o medo de cavalos no filme? Tentei evitá-los (risos). E, de repente, estou em cima de um cavalo, me divertindo. Mas não é algo que me empolgue de início. É um problema pessoal. Tenho medo, mas subo num cavalo se preciso. E gosto.

Mas você era um daqueles atores que colocava no currículo: “Sabe cavalgar”? Claro! Com certeza! Que tipo de ator seria se não mentisse no meu currículo? (risos)

Quantos cachorros você tem? Tenho três: um no Brooklyn, um que encontrei na Georgia, e outro na Namíbia.

Mas em Calgary, durante as filmagens de O Regresso, você estava acompanhado pelo cachorro de um amigo. Costuma ficar próximo de cachorros nas locações? Sim. Amo cachorros. Em qualquer lugar que eu vá, vou ficar amigo de um cachorro. Em Calgary, um colega meu tinha um rancho com 40 cachorros. Aí perguntei se Georgia, uma São Bernardo, podia ficar comigo durante as filmagens. Ele deixou.

Essa relação começou quando você era criança? Na adolescência, ele se chamava Max e morreu, aos 17 anos, quando eu fui escolhido para Mad Max.

Falou com George Miller sobre o próximo Mad Max? Ainda não. Ele anda muito ocupado. Mas estou muito feliz por ele, pelo sucesso de Estrada da Fúria. Porque é o filme mais bacana que eu vi em muito tempo.

O filme não foi tão bem de bilheteria, mas os críticos adoraram. Ficou surpreso? Sim, foi muito elogiado. É tão incrível isso para George. Muitas vezes se pensa que os filmes de ação são apenas coisas de gente jovem. E aí vem alguém, tecnicamente um avô, com sua mulher, e entrega a produção de ação mais legal do ano. Ele estabeleceu um padrão tão alto para todos esses jovens cineastas de filmes de ação que seria melhor desistirem. Ele é o rei, realmente. Tenho muito orgulho dele. E eu estou no filme (risos). Não é demais?

Como foi trabalhar com Alejandro González Iñárritu, que é conhecido por ter uma personalidade forte, nessas condições complicadas? Ele é fantástico. Enigmático, grande, ousado, bom coração, divertido, inteligente, um belo artista. Eu ignorava toda a coisa cinéfila dele e simplesmente ia direto ao ponto: o que quer de mim? É assim que entendo o que faço. E ele fica preocupado com a grandeza, porque tem tanta coisa para cuidar. Eu gostava de sua companhia, quando dava para ter uma conversa individual. É um homem maravilhoso.